“É sempre mais difícil ancorar um navio no
espaço” Ana Cristina César
A íntima intermidialidade de coisas, de
seres e de tempo, em suas interações de sentir o ser mundano em demonstrações
diárias e inequívocas de existir-existindo, em descobrimentos, desvelamentos e
mistérios no não-existir-existindo-do-ser, foi o caminho que me levou ao SPINA
no finalzinho de 2019 e início de 2020. Um poucochinho antes que o mundo se
‘espantasse’ ao poder devastador do covid-19 e se sucumbisse aos
claustros/tempos de distanciamento e dor. O momento estava propício; o solo,
substancialmente lavrado; as chuvas serôdias abasteciam a terra em proimos e
opsimos milagres. Nas roças, sementes de flores anunciavam suas
agradabilíssimas belezuras. Nos lares, a sega do afeto irrigava os paióis
das almas a uma crescente, imponderável e intempestiva colheita.
O meu ser é de terra. De húmus. De raízes
e galhos retorcidos. De aceiros, de coivaras e de plantios. De cinzas e ventos.
De labaredas de fogo em seus cultivos de queimadas. De velhas taperas e
rústicos quintais. De ninhos vazios e voos. De nuvens em derramamentos de céu.
Tudo me provém a seu tempo e a seu modo. Em um desenrolar de existir,
indistinto e infindável. Fazendo de mim, um giro de eternas promessas. Corpo de
romaria e esperança. Parindo-me, em dores, refrigérios e constante vicissitude,
às acontecenças do dia. Fazendo do acaso, fértil terreno de descobertas; da
imprevisibilidade da vida, uma estampa criativa. Dos borrifos dos ventos,
grafia de indubitáveis inspirações. Assim sou. Assim tenho sido. Não me
estreito a ganhos fáceis ou a frouxos abraços.
No dentro do meu ser, em privilégios de
solidão; no íntimo do meu sentir, em internalização de costuras mundanas; há um
renovar-se, angustiado, inquieto, aflito, fobado, insurgente, insubmisso, em
uma infindável e constante ebulição, arremessando-me, parcamente, aos
meus apetrechos de passos (e de sonhos), desafiando-me a prosseguir a marcha,
ainda que, os que os olhos percebam, sejam somente os trovões, precedendo os
temporais. É neste terreno de vida que me alimento, que nutro o meu
existir a cada amanhecer. De pequenas licitudes, de alguns poemas e de
descuidadas longitudes. O (poe)mar dentro de mim, com suas rimas, métricas e
temas, vem de longa data. Fez-se corpo aos doze anos de idade. Diluiu-se, às
minhas entranhas, em signos, significância e significados.
O primeiro impacto, ao sentir a presença
do SPINA, foi de espanto, admiração, contenção e êxtase. Cuidadoso que sou,
observei, atento, a fôlego pequeno, seus recursos, características, formas e
regras. E, tudo me pareceu correto e adequado. O seu arcabouço aparente e
ligeiramente rígido, colecionava fluídos movimentos, em que poderia transitar
meus experimentos poéticos em experienciações mundanas. Substanciando o meu ser
de alegria e contentamento. O intercalar, arrumadinho, das duas estrofes,
alinhavadas em oito versos, em sóbrios e simbólicos pontos de nove e vinte e
cinco palavras cada, bem ajustadas à casa do tecido poético, com suas
figurações e temáticas distintas, veio-me em uma graciosidade dourada de cachos
de arroz, madurando em meio ao verdejante roçado.
Esta nova forma poética, registrada por
seu criador, o talentoso escritor Ronnaldo de Andrade, com o singelo nome de
SPINA, em homenagem devida ao emérito Professor Segismundo Spina, tem, em suas
nervuras centrais, conexões etimológicas a ramos e folhas, a pétalas e
espinhos, por conseguinte, a jardins. O caule poético, sustentáculo desta rosa
spinaista, tem uma propagação rítmica e rímica em três tempos peculiares. De
onde, a vegetação criativa se exsulta, exulta, jubila e regozija, criando
funções e condições de solutos suportes, em reservas de crescimento e folias,
tanto no sentido anatômico e botânico de foliáceo, como também, no de festas,
de alegres brincadeiras. O que torna o SPINA uma obra simples, porém, peculiar;
uma construção poética refinada, o que a torna singular.
Embora traga como característica mais
acentuada, uma estrutura discreta, sóbria e, indubitavelmente curta, composta
de breves trinta e quatro palavras, sendo a primeira, necessariamente
trissilábica, o SPINA transita por múltiplas temáticas e permeia complexos
conteúdos sem maiores dificuldades, construindo, a cada realidade descrita,
discussões, interpretações e peculiaridades próprias, o que torna ao ato
criativo do poeta spinaista, um inquestionável e permanente desafio. Assim, o
SPINA tem sido nestes sete meses de exuberante existência, um ambiente
circundado de intenso deslumbramento, em um encandeamento poético e artístico
inigualável. Atravessando muros e fronteiras, aglutinando línguas e culturas,
com a elegância, força e beleza de um exuberante bolsai.
Compreender e apreender a construção spinaista,
em toda a sua complexa extensão poética e simbólica, com seus deslumbres,
perspectivas e entraves, faz-se necessário (e urgente). Para tal é
imprescindível que se aborde estudos, cujo objeto de análise, o SPINA, seja
evidenciado ao campo da gramática, da linguística, da semântica e do discurso.
Para que, em um tempo futuro, em seus aspectos estilísticos, discursivos e
polissêmicos, torne-se um paradigmático teórico, auxiliando assim na
escolarização da leitura literária, e, consequentemente, ao letramento de
novos leitores, contemplando, pedagogicamente, as dimensões do pensar, do
sentir e do fazer, tornando o SPINA, no campo da linguagem, conceito
compreensível de transposição didática.
Assim, o corpo poéticodinâmico do SPINA
tem alçado os seus voos. Em brevidade de fôlego ou em alongamento de respiro,
em descrições e afirmações, produzindo, nestas diárias observâncias, oníricas
ou imagéticas, as sensações e percepções do intenso existir mundano.
Compondo-se e se decompondo em uma intertextualidade de palavras e versos, com
a incomensurável elegância de um entardecer outonal. Às vezes em versos
batidos, rápidos, precisos, de curtíssima duração, feito beija-flores se
assanhando ao exótico néctar da flor; n’outras, em belíssimo planeio, batendo e
fechando os versos em suas correntes estéticas ascendentes, em largas
altitudes, feitos os ágeis e belíssimos gaviões-reais, protagonizando, a cada
verso, suas roupagens de primavera.
Com uma estrutura rímica assonântica,
vocalicamente harmoniosa, o SPINA vem ocupando o seu lugar na história da
poética brasileira. Muitos são os poetas, com suas múltiplas versificações e
complexas simbolizações, desdobrando-se a cada dia, no desenvolvimento e
desvelamento deste gênero poético. Carregado de sentido, significado e
significância humana. Com suas histórias e invenções ao alcance do olhar. Com
seus teares digitais, transformando cada som vocálico em um mundo de
encantação. De norte a sul, há uma multiplicação desta produção. Cada um com
seu olhar, falando de nuvens, jardins, amor, paixão, sertão, pedras, animais,
gente e coisas. Enumerando suas sensações estéticas em uma profunda e admirável
espontaneidade.
Portanto, é fundamental que a construção
spinaista, com seu arcabouço estético (e poético) bem definido, resista às
mudanças paradigmáticas, tão efusivamente propagadas, nesta fluida e líquida
contemporaneidade. Que se justifique em relevância histórica e encontre o seu
reconhecimento teórico nos caminhos epistemológicos da encantativa palavra. Que
se abasteça dos versos (e das rimas) em processo duradouro, sublinhando
vivências, historias e interpretativas invencionices poéticas aos registros de
imutáveis identificações de existir, coexistindo em atitude e fruição,
agregando modernidade e tradição, entranhamento e estranhamento, momento e
eternidade em uma indestrutibilidade coexistência mundana.
Que se registre doravante, em inovadora
re_invenção de vida, da substanciosa essencialidade de se compor SPINA, de se
abastecer de seus oito versos em uma hegemônica voracidade de existir. De se
buscar, nos horizontes das im_publicadas emoções, as elegantes escrevinhanças
do tempo, dos instantes e das recorrentes moradas, em frescor de brisa, de
flores, de frutos, de bichos, de terreiros e quintais. A termos, como mapas de
nossas fazeduras humanas, em abstrações de coloquiais sentimentos, o prodígio
revelador dos inesperados afetos, respaldando-nos, no alcance das duas estrofes
spinaistas, as imponderáveis sagrações do existir-existindo, como se fossemos
orvalhos em lambeduras de amanhecer, representações hipotéticas de nosso
próprio nascituro.
Este é o caminho que o SPINA,
incontroverso, terá que seguir. Em compreensões semânticas e pragmáticas, em
uma experienciação poética de existencialidade referencial, tornando o objeto
de estudo em um campo de observação e reflexão, vinculando o significado poético
às significâncias do ser, como norma padrão de investigação e interpretação. Em
entrelaçamentos de criação e elucubração. Para tanto, o seu solo está sendo
incessantemente carpido, tratado, lavrado e adubado. As ferramentas são
conhecidas. O crescimento é paulatino e gradual. As condições do tempo são
favoráveis. O amadurecimento é um convite à sega A fruição do vento e das
chuvas, em exercícios imagéticos e polissêmicos diários, sistematiza abundância
nos paióis.
Boa Colheita!
OXORONGA, Alufa-Licuta. Escritor,
psicólogo e artista plástico.
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NO RESSONAR, FRAGOROSO, DOS DIAS
O TINTINABULAR DE OBLIQUA EMOÇÃO
Despenca a manhã
Gargateando o frio.
Do sol: Rutilâncias!
Imóveis, nas i_mutabilidades dos moirões,
Pequeninos caburés, embatucam os voos,
Em extravaso de excessivas compliâncias.
No regatear, pressuroso, dos sentimentos:
Destapa, o amanhecer, suas exuberâncias.
Alufa-Licuta Oxoronga/PA
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ÀS FAMÍLIAS MASSACRADAS
POR UM ASSASSINO INVISÍVEL
Velando seu papai
o filhinho lamenta,
sua mamãe chora.
Sentem uma dor que devora
seus corações, fere as almas
na parte mais íntima... Aflora
a tristeza da genitora quando
seu único filho vai-se embora!
Ronnaldo de Andrade/SP
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