terça-feira, 14 de julho de 2020

As Interveniências Simbólicas da Poética Spinaista * Alufa Licuta Oxoronga/SP

AS INTERVENIÊNCIAS SIMBÓLICAS DA POÉTICA SPINAISTA NOS INTRA_MUNDOS EXISTENCIAIS DE COISAS, DE HOMENS E DE BICHOS.


“É sempre mais difícil ancorar um navio no

espaço” Ana Cristina César

 

A íntima intermidialidade de coisas, de seres e de tempo, em suas interações de sentir o ser mundano em demonstrações diárias e inequívocas de existir-existindo, em descobrimentos, desvelamentos e mistérios no não-existir-existindo-do-ser, foi o caminho que me levou ao SPINA no finalzinho de 2019 e início de 2020. Um poucochinho antes que o mundo se ‘espantasse’ ao poder devastador do covid-19 e se sucumbisse aos claustros/tempos de distanciamento e dor. O momento estava propício; o solo, substancialmente lavrado; as chuvas serôdias abasteciam a terra em proimos e opsimos milagres. Nas roças, sementes de flores anunciavam suas agradabilíssimas belezuras.  Nos lares, a sega do afeto irrigava os paióis das almas a uma crescente, imponderável e intempestiva colheita.

 

O meu ser é de terra. De húmus. De raízes e galhos retorcidos. De aceiros, de coivaras e de plantios. De cinzas e ventos. De labaredas de fogo em seus cultivos de queimadas. De velhas taperas e rústicos quintais. De ninhos vazios e voos. De nuvens em derramamentos de céu. Tudo me provém a seu tempo e a seu modo. Em um desenrolar de existir, indistinto e infindável. Fazendo de mim, um giro de eternas promessas. Corpo de romaria e esperança. Parindo-me, em dores, refrigérios e constante vicissitude, às acontecenças do dia. Fazendo do acaso, fértil terreno de descobertas; da imprevisibilidade da vida, uma estampa criativa. Dos borrifos dos ventos, grafia de indubitáveis inspirações. Assim sou. Assim tenho sido. Não me estreito a ganhos fáceis ou a frouxos abraços.

 

No dentro do meu ser, em privilégios de solidão; no íntimo do meu sentir, em internalização de costuras mundanas; há um renovar-se, angustiado, inquieto, aflito, fobado, insurgente, insubmisso, em uma infindável e constante ebulição, arremessando-me, parcamente,  aos meus apetrechos de passos (e de sonhos), desafiando-me a prosseguir a marcha, ainda que, os que os olhos percebam, sejam somente os trovões, precedendo os temporais.  É neste terreno de vida que me alimento, que nutro o meu existir a cada amanhecer.  De pequenas licitudes, de alguns poemas e de descuidadas longitudes. O (poe)mar dentro de mim, com suas rimas, métricas e temas, vem de longa data. Fez-se corpo aos doze anos de idade. Diluiu-se, às minhas entranhas, em signos, significância e significados.

 

O primeiro impacto, ao sentir a presença do SPINA, foi de espanto, admiração, contenção e êxtase. Cuidadoso que sou, observei, atento, a fôlego pequeno, seus recursos, características, formas e regras.  E, tudo me pareceu correto e adequado. O seu arcabouço aparente e ligeiramente rígido, colecionava fluídos movimentos, em que poderia transitar meus experimentos poéticos em experienciações mundanas. Substanciando o meu ser de alegria e contentamento. O intercalar, arrumadinho, das duas estrofes, alinhavadas em oito versos, em sóbrios e simbólicos pontos de nove e vinte e cinco palavras cada, bem ajustadas à casa do tecido poético, com suas figurações e temáticas distintas, veio-me em uma graciosidade dourada de cachos de arroz, madurando em meio ao verdejante roçado.

 

Esta nova forma poética, registrada por seu criador, o talentoso escritor Ronnaldo de Andrade, com o singelo nome de SPINA, em homenagem devida ao emérito Professor Segismundo Spina, tem, em suas nervuras centrais, conexões etimológicas a ramos e folhas, a pétalas e espinhos, por conseguinte, a jardins. O caule poético, sustentáculo desta rosa spinaista, tem uma propagação rítmica e rímica em três tempos peculiares. De onde, a vegetação criativa se exsulta, exulta, jubila e regozija, criando funções e condições de solutos suportes, em reservas de crescimento e folias, tanto no sentido anatômico e botânico de foliáceo, como também, no de festas, de alegres brincadeiras. O que torna o SPINA uma obra simples, porém, peculiar; uma construção poética refinada, o que a torna singular.

 

Embora traga como característica mais acentuada, uma estrutura discreta, sóbria e, indubitavelmente curta, composta de breves trinta e quatro palavras, sendo a primeira, necessariamente trissilábica, o SPINA transita por múltiplas temáticas e permeia complexos conteúdos sem maiores dificuldades, construindo, a cada realidade descrita, discussões, interpretações e peculiaridades próprias, o que torna ao ato criativo do poeta spinaista, um inquestionável e permanente desafio. Assim, o SPINA tem sido nestes sete meses de exuberante existência, um ambiente circundado de intenso deslumbramento, em um encandeamento poético e artístico inigualável. Atravessando muros e fronteiras, aglutinando línguas e culturas, com a elegância, força e beleza de um exuberante bolsai.

 

Compreender e apreender a construção spinaista, em toda a sua complexa extensão poética e simbólica, com seus deslumbres, perspectivas e entraves, faz-se necessário (e urgente). Para tal é imprescindível que se aborde estudos, cujo objeto de análise, o SPINA, seja evidenciado ao campo da gramática, da linguística, da semântica e do discurso. Para que, em um tempo futuro, em seus aspectos estilísticos, discursivos e polissêmicos, torne-se um paradigmático teórico, auxiliando assim na escolarização da leitura literária,  e, consequentemente, ao letramento de novos leitores, contemplando, pedagogicamente, as dimensões do pensar, do sentir e do fazer, tornando o SPINA, no campo da linguagem,  conceito compreensível de transposição didática.

 

Assim, o corpo poéticodinâmico do SPINA tem alçado os seus voos. Em brevidade de fôlego ou em alongamento de respiro, em descrições e afirmações, produzindo, nestas diárias observâncias, oníricas ou imagéticas, as sensações e percepções do intenso existir mundano. Compondo-se e se decompondo em uma intertextualidade de palavras e versos, com a incomensurável elegância de um entardecer outonal. Às vezes em versos batidos, rápidos, precisos, de curtíssima duração, feito beija-flores se assanhando ao exótico néctar da flor; n’outras, em belíssimo planeio, batendo e fechando os versos em suas correntes estéticas ascendentes, em largas altitudes, feitos os ágeis e belíssimos gaviões-reais, protagonizando, a cada verso, suas roupagens de primavera.

 

Com uma estrutura rímica assonântica, vocalicamente harmoniosa, o SPINA vem ocupando o seu lugar na história da poética brasileira. Muitos são os poetas, com suas múltiplas versificações e complexas simbolizações, desdobrando-se a cada dia, no desenvolvimento e desvelamento deste gênero poético. Carregado de sentido, significado e significância humana. Com suas histórias e invenções ao alcance do olhar. Com seus teares digitais, transformando cada som vocálico em um mundo de encantação. De norte a sul, há uma multiplicação desta produção. Cada um com seu olhar, falando de nuvens, jardins, amor, paixão, sertão, pedras, animais, gente e coisas. Enumerando suas sensações estéticas em uma profunda e admirável espontaneidade.

 

Portanto, é fundamental que a construção spinaista, com seu arcabouço estético (e poético) bem definido, resista às mudanças paradigmáticas, tão efusivamente propagadas, nesta fluida e líquida contemporaneidade. Que se justifique em relevância histórica e encontre o seu reconhecimento teórico nos caminhos epistemológicos da encantativa palavra. Que se abasteça dos versos (e das rimas) em processo duradouro, sublinhando vivências, historias e interpretativas invencionices poéticas aos registros de imutáveis identificações de existir, coexistindo em atitude e fruição, agregando modernidade e tradição, entranhamento e estranhamento, momento e eternidade em uma indestrutibilidade coexistência mundana.

 

Que se registre doravante, em inovadora re_invenção de vida, da substanciosa essencialidade de se compor SPINA, de se abastecer de seus oito versos em uma hegemônica voracidade de existir. De se buscar, nos horizontes das im_publicadas emoções, as elegantes escrevinhanças do tempo, dos instantes e das recorrentes moradas, em frescor de brisa, de flores, de frutos, de bichos, de terreiros e quintais. A termos, como mapas de nossas fazeduras humanas, em abstrações de coloquiais sentimentos, o prodígio revelador dos inesperados afetos, respaldando-nos, no alcance das duas estrofes spinaistas, as imponderáveis sagrações do existir-existindo, como se fossemos orvalhos em lambeduras de amanhecer, representações hipotéticas de nosso próprio nascituro.

 

Este é o caminho que o SPINA, incontroverso, terá que seguir. Em compreensões semânticas e pragmáticas, em uma experienciação poética de existencialidade referencial, tornando o objeto de estudo em um campo de observação e reflexão, vinculando o significado poético às significâncias do ser, como norma padrão de investigação e interpretação. Em entrelaçamentos de criação e elucubração. Para tanto, o seu solo está sendo incessantemente carpido, tratado, lavrado e adubado. As ferramentas são conhecidas. O crescimento é paulatino e gradual. As condições do tempo são favoráveis. O amadurecimento é um convite à sega A fruição do vento e das chuvas, em exercícios imagéticos e polissêmicos diários, sistematiza abundância nos paióis.

 

Boa Colheita!

 

OXORONGA, Alufa-Licuta. Escritor, psicólogo e artista plástico.

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NO RESSONAR, FRAGOROSO, DOS DIAS

O TINTINABULAR DE OBLIQUA EMOÇÃO

 

Despenca a manhã

Gargateando o frio.

Do sol: Rutilâncias!

 

Imóveis, nas i_mutabilidades dos moirões,

Pequeninos caburés, embatucam os voos,

Em extravaso de excessivas compliâncias.

No regatear, pressuroso, dos sentimentos:

Destapa, o amanhecer, suas exuberâncias.

 

Alufa-Licuta Oxoronga/PA

 

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ÀS FAMÍLIAS MASSACRADAS

POR UM ASSASSINO INVISÍVEL

 

Velando seu papai

o filhinho lamenta,

sua mamãe chora.

 

Sentem uma dor que devora

seus corações, fere as almas

na parte mais íntima... Aflora

a tristeza da genitora quando

seu único filho vai-se embora!

 

Ronnaldo de Andrade/SP

 

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